Postado originalmente em 25de Outubro de 2012
Interessante é como, a uma pessoa que muito lê, ao lhe subir uma
ideia qualquer no trampolim machadiano, esta se guinde a outra ideia, e
consequentemente a mais outra e outra. Interessante é como se forma uma
literal corrente de pensamento, ligando pontos muitas vezes
aparentemente absurdos, contudo, que no fio racional fazem algum
sentido.
Não detalho como foi que acabei ligando uma simples barata, que não
voava, ao sapo temperado com o sal das madames medievais. Digo somente
que ambos têm a ver com a morte e que, no ato de exterminar a um, pensei
no outro. Aí me foram, então, as ideias fazendo todo o tipo de
cabriolas e na filosofia das pernas, também do Machado, vi que acabei
não sacrificando duas vidas. A da barata e a do sapo.
Quanto ao segundo, esse veio pulando nos meus pensamentos, bem
tranquilo e cheio de estratagemas. Pulava uma vez e ficava a me olhar,
depois tornava a dar outro pulo para me ver parado, pensando. Um sapo
cauteloso, que foi se assomando à ideia da barata e por ali ficou,
misturado, estrangeiro. Pulou da terra da minha imaginação para o rio
corriqueiro dos meus pensamentos, para os fluxos que a todo instante
trazem mil e uma ideias diferentes e que desabam sempre no mar das
minhas filosofias. O sapo, uma vez na água, começou artisticamente a
coaxar.
O menor sapo encontrado, Microhyla nepenthicola. Fonte: http://goo.gl/oBGcvD - National Geographic. |
Então, imaginei como foi que descobriram que se jogarmos sal nas
costas de um sapo, ele morre. É certo que uma senhora, imagino da Idade
Média, estivesse preparando despreocupadamente o almoço para o seu
marido artesão e, eis que de súbito aparece um sapo na porta da cozinha.
Desesperada e com certeza medrosa, pega a primeira coisa que está à mão
e lança no pobre bicho. Infelizmente esta coisa é um pote de sal e o
sapo, desafortunado e sem escolha, pula algumas vezes e morre.
Não entendendo o por que da morte do sapo pelo sal, mas muito feliz
por seu êxito, aquela mulher desata a contar seu truque a todas as suas
amigas. Que contam a outras amigas e assim, em pouco tempo metade da
população medieval já sabe do ônus do sapo contra o sal. E os maridos,
curiosos, também ficam sabendo da história e contam aos amigos. Que
passam a todo o mundo, de geração em geração.
Não acho que seja uma boa ideia, nem sei se isso realmente
funciona. Tudo o que sei é que o coitado do sapo não faz mais que pular e
coaxar, e quando entra em desespero urina pelas costas - como me
ensinaram minhas velhas tias, ou tias velhas, em um dia de puro senso
comum. Lógico: hoje sei que não é urina do sapo, mas sim uma simples
secreção ácida que ele excreta para se defender. Pobre anfíbio, tão mal
interpretado.
E ademais, aprendi do sal enquanto criança e embora não saiba se
realmente faz sentido tal costume, admito e não omito: cloro-sodifiquei
alguns sapos por aí, uns inocentes e assustados sapos que surgiram na
minha frente. Todavia, são os meneios da meninice, leitor, são coisas
tão perdoáveis quanto as florescências de quando jovem.
Hoje não mais quero ver sapo com sal, tenho até certo asco por quem
faz o triste bicho sofrer assim. Acho que se topar a um coitado destes
cheio de sal nas costas, sem muito pensar, sou capaz de parar e limpar
todo ele para depois prosseguir. Tamanho é o meu amor, pela vida e não
pelos sapos. Daí eu faço com o gorducho o mesmo que fiz com a barata que
ousou se aproximar demais de mim. Mas, é fábula para outra moral,
adianto apenas que não matei a baratinha, como já bem disse antes. E vá
lá: deixemos mesmo a outro dia, outro momento, que eu preciso ver o que
houve ao sapo danado que ousou invadir meus pensamentos.
Escrito especialmente para Maria Cipriana
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