terça-feira, 27 de novembro de 2012

O sussurro


      O sangue escorria por meu peito, eu conseguia ver a abertura que o acidente havia provocado. Meu coração batia diante de meus olhos, e aquele era meu primeiro contato direto com o órgão que sempre me manteve vivo. Aquele órgãozinho tão singelo, tão solitário e tão forte ao mesmo tempo. Que sempre a bater e bater põe meu corpo à ativa, meus pensamentos ao movimento.
      O ferimento estava aberto para um próximo, já não sentia tanta dor assim, meu cérebro lunaticamente havia sanado todo e quaisquer sofrimentos que eu sentisse. Eu me encontrava praticamente morto.
      Olhava para aquele vulto diante de mim, as outras imagens também estavam meio difusas à minha volta. O mundo parecia ter adquirido outros tons de cores, outra velocidade de reprodução. E o sangue a escorrer pelo meu peito, a descer até minhas calças e ensopar todo o meu corpo. E a vida a se esvair aos poucos. Eu dizia "te amo" e o vulto apenas olhava, preocupado mas sem ação. Mesmo com o erro de português, insistia "te amo" e aguardava algo mais sentimental. Um abraço, um beijo - que fosse ainda no rosto. Não. Nada. Apenas meu sangue a escorrer quente pelo meu maldito peito exposto.
      Uma linda porém murcha flor rosa escura envolvia meu coração, enrolava seu caule nele apertadamente e havia espinhos. Havia espinhos que machucavam e sangravam e matavam e tudo. E tudo. E o vulto só olhava aquela cena toda.
      Meus olhos, eu sabia, pedia desesperadamente por ajuda, por uma simplória ajuda que viesse. Mas nada. O mais engraçado de tudo era essa desgraçada repetição do nada. O nada acontecia e minha vida se esvaía. Segundo a segundo. Instante a instante.
      Então, num último rogar, num último suspiro que pude dar, eu murmurei tristemente, os olhos lagrimados, o coração parando de bater pela primeira e única vez. Murmurei três palavras que já havia murmurado centenas de vezes e, por mais incrível que me parecesse, tinha surtido efeitos adversos. Efeitos frios que eram ocultados por um falsete. Um falso sentimento acalentador que respondia e vinha daquele vulto à minha frente. Eu sussurrei: "Rafaela te amo."

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