segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A peça

As luzes do palco se apagam, repentinamente. O silêncio se propaga aos bocados pela platéia. Todos se acomodam um pouco mais nas poltronas, estão atentos. Miram apenas um vulto invejado que se estica em meio a tudo. O único ponto de referência, de observação. A excessão. E esse vulto está parado bem no palco, só, calado. Cabisbaixo. Veste um smoking preto, camisa branca e gravata borboleta amarrada ao colarinho, no pescoço. Um chapéu coco preto cobre parcialmente seu rosto, o sapato brilha no escuro do teatro. A peça tende a começar, tudo se inclina a um começo bastante dramático. Todos atenciosos, olhares voltados apenas para o vulto. Ele recebe uma chuva de olhos, a maior atenção da sua vida. Tem tudo em mãos, está preparado para dar início. Sabe as palavras, conhece os gestos. Ele pigarreia, ergue os olhos apavorado para a platéia. São muitos olhares, são muitas pessoas. Inúmeras, infindas. Se vira lentamente e sai do palco. Abandona tudo. Deixa o ofício. Destituído de sua proficiência, de seu cargo. Abraçado pelos braços da covardia, beijado pelos lábios da vergonha. Desencorajado. Abandonou tudo, deixou de viver. Deixou a sua vida. Afinal, o que é a vida senão uma longa peça de teatro?

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